MEMORIAL REPUBLICANO
LI - D. Carlos patrocina a ditadura
O governo que João Franco organizara foi, nele
próprio, uma contradição e uma mentira.
Patrocinado por José Luciano de Castro, cuja
doença e velhice lhe obstava a natural chefia,
e levado ao terreno por João Franco, cujo
partido por ele inventado era um
arremedo de grandeza política, tal
governo foi desdizendo tudo o que prometera.
Franco declarara ser uma “ignóbil
porcaria” a lei eleitoral que o seu
antigo chefe regenerador preparara contra
si; mas, mal se apanhou no Poder, não
tomou a menor iniciativa para a substituir.
O mesmo Franco prometera reformas
e liberdades, dizendo querer
“governar à inglesa”,constitucionalmente,
e confessando intuitos de“caçar no mesmo
terreno dos republicanos”, impulsionando
Portugal para a modernidade e para
a tolerância; porém, tornavam-se notórios
os seus esgares de impaciência nas
casas do Parlamento e fora delas, como
se lhe fosse de todo impossível escapar
à sua antiga sina de irritável déspota.
próprio, uma contradição e uma mentira.
Patrocinado por José Luciano de Castro, cuja
doença e velhice lhe obstava a natural chefia,
e levado ao terreno por João Franco, cujo
partido por ele inventado era um
arremedo de grandeza política, tal
governo foi desdizendo tudo o que prometera.
Franco declarara ser uma “ignóbil
porcaria” a lei eleitoral que o seu
antigo chefe regenerador preparara contra
si; mas, mal se apanhou no Poder, não
tomou a menor iniciativa para a substituir.
O mesmo Franco prometera reformas
e liberdades, dizendo querer
“governar à inglesa”,constitucionalmente,
e confessando intuitos de“caçar no mesmo
terreno dos republicanos”, impulsionando
Portugal para a modernidade e para
a tolerância; porém, tornavam-se notórios
os seus esgares de impaciência nas
casas do Parlamento e fora delas, como
se lhe fosse de todo impossível escapar
à sua antiga sina de irritável déspota.
Aquele governo era também um enigma
perante a opinião pública. Esta interrogava-se
sobre se seria o franquismo a tomar
conta do Partido Progressista, se seria
este a absorver aquele, ou se cada um
deles, servida a opípara refeição governativa,
seguiria tranquilamente o seu caminho.
Era isto que Hintze Ribeiro perguntava,
utilizando as seguintes palavras: os dois
partidos “ fundem-se e consubstanciam-se
ou só se juntam, em termos eventuais,
para um momento de acção governativa?”.
perante a opinião pública. Esta interrogava-se
sobre se seria o franquismo a tomar
conta do Partido Progressista, se seria
este a absorver aquele, ou se cada um
deles, servida a opípara refeição governativa,
seguiria tranquilamente o seu caminho.
Era isto que Hintze Ribeiro perguntava,
utilizando as seguintes palavras: os dois
partidos “ fundem-se e consubstanciam-se
ou só se juntam, em termos eventuais,
para um momento de acção governativa?”.
A crise, previsível devido aos tumultos que
a“questão dos adiantamentos” provocara
na Câmara dos Deputados, declarou-se
sem disfarce quando os ministros da
Justiça, José Novais, e dos Estrangeiros,
Luís de Magalhães, apresentaram as suas
demissões. Uma só pessoa, em tais
circunstâncias, poderia propiciar uma
continuidade aceitável de governo. Era
necessário que o velho José Luciano de
Castro lançasse a João Franco a bóia
da salvação. Era forçoso que ele viesse
dizer que a concentração liberal estava
ali para durar e que o seu Partido
Progressista ajudaria novamente o
franquismo a aguentar-se no mando.
Mas quando João Franco pediu ao
patriarca do Palácio dos Navegantes
alguns dos nomes mais sonantes para
restabelecer o crédito do governo, a
resposta que obteve foi um não rotundo,
peremptório. João Franco naufragava.
Ficava só, irremediavelmente só, nos
termos previstos pela Carta Constitucional.
a“questão dos adiantamentos” provocara
na Câmara dos Deputados, declarou-se
sem disfarce quando os ministros da
Justiça, José Novais, e dos Estrangeiros,
Luís de Magalhães, apresentaram as suas
demissões. Uma só pessoa, em tais
circunstâncias, poderia propiciar uma
continuidade aceitável de governo. Era
necessário que o velho José Luciano de
Castro lançasse a João Franco a bóia
da salvação. Era forçoso que ele viesse
dizer que a concentração liberal estava
ali para durar e que o seu Partido
Progressista ajudaria novamente o
franquismo a aguentar-se no mando.
Mas quando João Franco pediu ao
patriarca do Palácio dos Navegantes
alguns dos nomes mais sonantes para
restabelecer o crédito do governo, a
resposta que obteve foi um não rotundo,
peremptório. João Franco naufragava.
Ficava só, irremediavelmente só, nos
termos previstos pela Carta Constitucional.
Foi aqui que emergiu um novo comparsa para
uma farsa que iria terminar em
tragédia. Esse comparsa foi o rei D.
Carlos, Vencido suplente e admirador
secreto de soluções rijas, musculadas. O
monarca iria patrocinar a ditadura de
um só homem contra todas as
forças políticas organizadas de um
Reino. É esta cegueira que torna
tristemente espantosa tal decisão.
D. Carlos sabia, tão bem ou melhor do
que João Franco, que a ditadura
deste iria desencadear-se contra
a totalidade do pequeno mundo político
lusitano: contra os regeneradores, que
não perdoavam a cisão; contra os
progressistas, que tinham posto fim
à concentração liberal ; contra os
dissidentes de Alpoim, que abominavam
tanto o rei como o valido do rei; contra
os republicanos, por motivos
óbvios; contra os socialistas e os
anarquistas, por razões ainda
mais evidentes. Certamente poderia
agradar a D. Carlos uma “vida nova”,
tal como a previra Oliveira Martins, nos
seus papéis de literato, de sociólogo
e de economista … todo teórico. O
penúltimo dos Braganças iria viabilizar
o franquismo em ditadura,
escrevendo ao chefe daquela
escassa patrulha uma carta pessoal,
datada de 9 de Maio, onde
podia ler-se: “(…) continuemos
serenamente, com calma, mas com
firmeza a nossa obra. Neste caminho
encontrarás tu e os teus colegas todo
o meu apoio o mais rasgado e o mais
franco, porque considero que só
assim, dadas as circunstâncias
em que nos encontramos, poderemos
fazer alguma cousa boa e útil para
o nosso País”. D. Carlos queria
continuarserenamente, quando ia
reunir todas as razões para a
instabilidade; e falava também na
nossa obra, como se tivesse sido
acometido de uma amnésia súbita,
olvidando que um monarca
constitucional reina, mas não governa.
uma farsa que iria terminar em
tragédia. Esse comparsa foi o rei D.
Carlos, Vencido suplente e admirador
secreto de soluções rijas, musculadas. O
monarca iria patrocinar a ditadura de
um só homem contra todas as
forças políticas organizadas de um
Reino. É esta cegueira que torna
tristemente espantosa tal decisão.
D. Carlos sabia, tão bem ou melhor do
que João Franco, que a ditadura
deste iria desencadear-se contra
a totalidade do pequeno mundo político
lusitano: contra os regeneradores, que
não perdoavam a cisão; contra os
progressistas, que tinham posto fim
à concentração liberal ; contra os
dissidentes de Alpoim, que abominavam
tanto o rei como o valido do rei; contra
os republicanos, por motivos
óbvios; contra os socialistas e os
anarquistas, por razões ainda
mais evidentes. Certamente poderia
agradar a D. Carlos uma “vida nova”,
tal como a previra Oliveira Martins, nos
seus papéis de literato, de sociólogo
e de economista … todo teórico. O
penúltimo dos Braganças iria viabilizar
o franquismo em ditadura,
escrevendo ao chefe daquela
escassa patrulha uma carta pessoal,
datada de 9 de Maio, onde
podia ler-se: “(…) continuemos
serenamente, com calma, mas com
firmeza a nossa obra. Neste caminho
encontrarás tu e os teus colegas todo
o meu apoio o mais rasgado e o mais
franco, porque considero que só
assim, dadas as circunstâncias
em que nos encontramos, poderemos
fazer alguma cousa boa e útil para
o nosso País”. D. Carlos queria
continuarserenamente, quando ia
reunir todas as razões para a
instabilidade; e falava também na
nossa obra, como se tivesse sido
acometido de uma amnésia súbita,
olvidando que um monarca
constitucional reina, mas não governa.
Seguiu-se a tudo isto o decreto de 10
de Maio de 1907, encerrando
o parlamento e inaugurando, com toda
a explicitude, a ditadura de João
Franco, antecâmara de uma
tragédia que não demoraria a chegar.
de Maio de 1907, encerrando
o parlamento e inaugurando, com toda
a explicitude, a ditadura de João
Franco, antecâmara de uma
tragédia que não demoraria a chegar.
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